domingo, 4 de julho de 2010

Diário de guerra - II

Eu acordo, eu me lembro... eu não queria...
Foi só um pesadelo...
Ela estava lá... na verdade ela ainda está. Vai estar lá quando eu voltar!
Quando eu voltar...
O nome dela é Vânia. Linda Vânia...
Lembro do dia em que partimos. Ela foi comigo até a estação. Conversamos. Ela chorou. Nos beijamos. Ela disse que iria me esperar e eu prometi que ia voltar.
Contei isso a vários dos meus companheiros e eles me contaram histórias quase iguais... Talvez não seja só a farda que nos iguala por aqui...
Todos têm pra quem voltar. Isso é ótimo. Estar aqui sabendo que no fim não vai haver ninguém na estação te esperando deve ser terrível... alguém assim nem deve querer que a guerra acabe... Nesse batalhão, todos temos alguém esperando por nós. Somos, com toda certeza, homens de muita sorte! Enviei uma carta falando sobre isso pra Vânia e ela me respondeu: “Será que nós, aqui em casa, podemos dizer a mesma coisa?” Eu não entendi o que ela quis dizer... É um momento de sacrifício pra todos. É só por um tempo. Logo todos iremos voltar e tudo vai voltar a ser como era. É só um tempo. Um curto tempo. É só um pequeno sacrifício.
Conversei com um amigo, Ângelo, sobre o assunto. Ele tentou me explicar que era bom que eu pensasse assim por enquanto, mas que eu devia abrir o meu olho. Não entendi muito bem e por fim ele disse: “Você é jovem. Fique tranqüilo. Vou cuidar pra que Vânia vá buscá-lo na estação.” Eu ri junto com ele.
Hoje foi um dia bastante monótono por aqui. Então não tenho muito o que escrever. Vou terminando por aqui.

O dia foi tenso e triste. Se ontem eu não tinha muito pra falar, hoje não quero falar muito, no entanto eu devo.
Antes  de o sol nascer, fomos acordados pelo alarme. Nos informaram de um avanço do inimigo pelos flancos e que não devíamos nos preocupar pois a reserva já havia sido acionada na cidade. Obedeci. Fiquei calmo e me armei. Os inimigos estavam avançando em quatro batalhões e planejavam nos cercar. Nosso batalhão se posicionou no flanco esquerdo. Não tínhamos muito equipamento, mas tínhamos homens muito bem preparados e muito corajosos!
Ah sim! Estávamos prontos para tudo aquilo! Eles chegaram. A linha de frente começou a disparar com metralhadoras, tentando quebrar o nosso centro, então aproveitamos pra usar morteiros. Eles estavam sendo muito estúpidos... Nos deram uma chance que só um amador daria. Mas não foi por acaso... Gastamos tudo que tínhamos nessa empreitada e eliminamos o centro do inimigo a La Napoleão, mas tinha algo errado... Não haviam tantos homens como nós pensamos e eles já estavam mortos bem antes de pararmos. De repente fomos atacados, depois soube que o flanco direito fora atacado ao mesmo tempo. O nosso centro se dispersou tentando ajudar ambos os flancos e então uma força maior, que eles tinham deixado na retaguarda, avançou contra o nosso centro indefeso. Perdemos o centro em minutos  e nós do flanco esquerdo fomos isolados do direito e cercados...  Aquilo era horrível! Eu não entendia o que estava acontecendo. Mais tarde soube que aqueles bastardos sacrificaram um pequeno batalhão que tinham pra nos induzir a usar tudo que tínhamos no centro. Acabamos nos empolgando e usamos muita munição pra poucos homens. Foi como num jogo de xadrez, nos induziram a comer uma peça e nos deram xeque-mate...
Depois de algum tempo naquele fogo cruzado, o nosso tenente, último oficial que tinha restado no nosso batalhão, resolveu nos render. Fomos desarmados e escoltados até um campo.  Lá nos informaram que a cidade estava sitiada. Eles tinham nos garantido que a cidade estava segura... Horas depois chegava a notícia de que a cidade caiu. Era vergonhoso... mas a vergonha durou pouco. Trouxeram alguns homens feridos e entre eles estava Ângelo. Fiquei estarrecido com o estado dele. Estava todo ensangüentado e parecia uma peneira de tanto buraco... era horrível... Ele não conseguia falar direito, mas me deu as coisas dele e me disse: “Tem uma carta aí, entregue a minha esposa.” Eu prometi que o faria e fiquei mais um tempo com ele. Os inimigos estavam pouco se lixando pro estado de saúde dos prisioneiros... malditos! Horas depois ele morreu. Homem bravo! Homem valente! Aguentou por muito tempo...
Há alguns minutos fomos postos a andar. Marchar até a cidade. Seria a nossa “residência definitiva” segundo um dos malditos. Marchamos o quanto conseguimos até receber ordens pra parar e acampar. Continuamos amanhã. Aproveitei a chance pra escrever no diário e olhar as coisas do Ângelo. Não resisti e li a carta. Lá diz assim:
Amor te vejo
Amor te chamo
Amor te beijo
Amor te clamo

Amor te quero
Amor te aguardo
Amor te espero
Amor te acato

Perdão pela traição...

Ângelo... mesmo na nossa situação foi capaz de falar de amor... Mas não sabia dessa traição... é um troço estranho pra se mandar a uma esposa no meio de uma guerra... De toda forma, eu prometi isso a ele. Se ela perguntar eu digo que foi algo com alguma camponesa de algum povoado por onde passamos, mas que ele se arrependeu muito. Ele está morto, Sofia, sua esposa, não vai prestar muita atenção a essa traição...
Agora eu vou tentar descansar. Temos muito que marchar ao amanhecer.





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